Hidrogênio de baixo carbono

Há várias maneiras de classificar o Hidrogênio (H2). Por cores, atribuídas arbitrariamente aos processos destinados à sua obtenção, bem como conforme a sua origem. Outra, que reflete a quantidade de CO2 associada à obtenção desse gás. Tais classificações não são conflitantes, antes, complementam-se.

Conforme a taxonomia cromática, o H2 obtido por eletrólise da água empregando energia elétrica gerada a partir de fontes renováveis, como a hidrelétrica, solar ou eólica, é denominado Verde. Se for obtido a partir da reforma do gás natural, será H2 Cinza e se deste for capturado e armazenado (por CCS) o CO2 resultante desse processo será H2 Azul. Processo análogo também permite chegar ao H2 Azul a partir do carvão. Há outras cores, outras origens, que não cabe mencionar aqui.

O H2 denominado de baixo carbono ou H2 associado a “baixos” níveis de emissões de CO2 equivalente (CO2 mais outros GEE, gases de efeito estufa), procura refletir e buscar aceitação para o H2 obtido normalmente nas condições usualmente encontradas na prática, conforme as tecnologias e o contexto do setor de energia permitem. Geralmente, tais condições nem sempre proporcionam a “pureza” pressuposta na classificação cromática.

Em estudo de 2019, a Agência Internacional de Energia (AIE) indica as emissões de CO2 associadas à obtenção de H2, em diferentes hipóteses.

No caso do H2 Azul obtido a partir do H2 Cinza, a prática impõe limitações à captura e sequestro do CO2 decorrente da obtenção deste último, que constitui a modalidade mais utilizada atualmente. Esta provoca a emissão de cerca de 10 kg de CO2 por kg de H2 produzido. A captura e sequestro desse CO2 requer consumo de energia e despesas tanto maiores quanto a parcela dessas emissões que se vai eliminar. Assim, a obtenção de H2 Azul envolve a emissão de 1,5 kg a 5 kg de CO2 por kg de H2, exigindo a eliminação de 90% a 56% do CO2 produzido, respectivamente. No primeiro caso, o H2 obtido seria qualificado como H2 de 10% de conteúdo de carbono.

O H2 Verde é aquele obtido por eletrólise de água a partir de energia elétrica gerada por fontes renováveis. No Brasil, a maioria destas provavelmente serão fontes intermitentes, como a solar e a eólica. Como a economicidade dessa produção depende da continuidade do suprimento de energia, a oferta dessas fontes precisa ser complementada pela energia do sistema interligado ou por energia das mesmas fontes, armazenada. Dado que cerca de 15% da matriz energética do setor elétrico brasileiro é constituída por fontes fósseis, a obtenção do H2 a partir da energia fornecida pela rede elétrica estará associada à emissão de GEE.

Considerando as emissões de CO2 indicadas pela AIE e estimando que, em média, 65% da geração termelétrica utilize gás natural e 35%, carvão e óleo combustível, a pegada de carbono do H2 eletrolítico obtido a partir do sistema interligado seria da ordem de 4 kg de CO2 por kg de H2 produzido. Conforme os dados da AIE, corresponde à captura da ordem de 66% do CO2 emitido na produção de H2 a partir do gás natural.

Para que este H2 eletrolítico se iguale ao H2 Azul obtido com 90% de captura de CO2, de 1,5 kg de CO2 por kg de H2, pelo menos 63 % da energia destinada à sua produção tem de ser gerada por fontes exclusivamente renováveis próprias ou, em outros termos, não mais de 37% da energia utilizada poderá ser a do sistema interligado para que o H2 Verde apresente a mesma pegada de carbono que o H2 Azul com 10% de CO2.

Tais valores procuram apenas indicar ordens de grandeza e como comparar diferentes formas de obter H2. Procuram mostrar que, para obter H2 eletrolítico de baixo carbono sem contar com suprimento significativo do SIN será necessário criar armazenamento das energias renováveis utilizadas, para compensar a intermitência e assegurar a continuidade da eletrólise.

Para que o H2 eletrolítico se iguale ao H2 Azul obtido com 90% de captura de CO2, pelo menos 63 % da energia para sua produção tem de ser gerada por fontes renováveis próprias ou, em outros termos, não mais de 37% da energia usada poderá ser a do sistema interligado

A dificuldade de evitar emissões de CO2 na obtenção de H2 motivam sua classificação em função do teor de carbono ou nível de emissão de CO2, comparado àquela do H2 Cinza, de cerca de 10 kg de CO2 por kg de H2. Dado que há ampla oferta de gás natural e que a competitividade do H2 Azul em relação ao H2 Verde depende, dentre outros fatores, da aceitabilidade do teor de CO2 remanescente do processo de captura e sequestro deste gás, há significativos esforços para aumentar sua efetividade e reduzir seu custo.

Por outro lado, geradores de energias renováveis (eólicos, fotovoltaicos, hidráulicos e de biomassa), bem como fabricantes de eletrolisadores têm buscado aumentar a competitividade do H2 Verde mediante aumentos de eficiência dos eletrolisadores, redução dos custos do seu suprimento de energia elétrica e da aceitação de pequenas quantidades de CO2 associadas à sua obtenção, para que esta possa se valer de suprimento do sistema interligado, ainda que parcial.

Assim, na prática, tanto a obtenção de H2 Azul quanto de H2 Verde poderá envolver emissão de carbono. Para sua definição numérica, pode-se considerar a emissão do H2 Cinza como referência ou o peso do CO2 remanescente por kg de H2 obtido em relação ao do H2 Cinza. Assim, se o H2 Azul for obtido com a captura de 90% do CO2 emitido na obtenção do H2 Cinza, sua taxa de carbono seria de 10%; alternativamente, se a referência for o peso do carbono por kg de H2, o mesmo H2 Azul teria uma pegada de 15% daquela do H2 Cinza.

Para caracterizar o H2 como de baixo carbono, entende-se que o mercado poderá definir qual o percentual aceitável, inclusive a partir dos preços do carbono emitido que venham a ser estabelecidos. Pode-se prever que contratos de fornecimento de H2 com determinada taxa de carbono associada exijam que esta seja certificada por entidade credenciada, tanto em função da natureza das fontes de energia elétrica utilizada quanto em relação ao processo de captura e sequestro do CO2 produzido, quando o H2 for Verde ou Azul, respectivamente.

Para obter H2 Verde com baixo carbono a energia suprida pelo sistema interligado não deve superar cerca de um terço do consumo, sendo a maior parte gerada a partir de fontes renováveis, considerando que a participação da geração baseada em combustíveis fósseis não varie. Se a geração própria for intermitente, a potência instalada deverá proporcionar excedentes que sejam armazenados em baterias ou reservatórios de hidrelétricas, preferencialmente reversíveis, para assegurar a continuidade do processo. Esta contribuirá para reduzir o custo do produto.

Será então oportuno comparar a redução do custo da eletrólise com o aumento do custo devido ao armazenamento e à maior capacidade geradora de energias renováveis. Por fim, observa-se que o custo do H2 Verde depende também da distância dos eletrolisadores em relação às suas fontes de suprimento e que o H2 deveria ser produzido em localidade próxima de onde será utilizado, para evitar os elevados custos de seu transporte.

Pietro Erber é engenheiro e ex-conselheiro da Eletrobras

Informações do Valor Econômico

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