Desafios climáticos e formação para o trabalho

Estamos sofrendo na pele os impactos de uma transformação global: a era do Antropoceno, termo cunhado pelo químico holandês Paul Crutzen. Esta fase, marcada pela influência humana no meio ambiente, tornou a atmosfera do planeta 1,5º C mais quente e as consequências podem ser percebidas em eventos climáticos extremos, desde as ventanias sem precedentes no sul do Brasil até as secas cada vez mais graves na Amazônia. Compreender que a maior parte dos impactos ambientais afeta mais as populações carentes é uma condição necessária para pensarmos a questão da adaptabilidade a partir das lentes da justiça climática.

Frente aos fatos, o mercado de trabalho experimenta uma revolução. Hoje, é comum pensar que a vida profissional do futuro próximo nada vai ter a ver com o que os mais velhos conhecem sobre trabalho e emprego. Há novos universos produtivos emergentes com foco em sustentabilidade, energia renovável e gestão de recursos.

No campo da sustentabilidade, profissionais como consultores de design sustentável auxiliam empresas a criarem produtos denominados “ecoamigáveis”, enquanto especialistas em Economia Circular buscam maximizar o reúso e a reciclagem, em uma tentativa de se minimizar o desperdício.

No setor de energia renovável, engenheiros de energia solar e eólica lideram a vanguarda na construção e otimização de parques solares e turbinas [eólicas], ao passo que pesquisadores buscam avanços em novas tecnologias, como a marinha ou a geotérmica. Gestores hídricos trabalham para garantir o uso eficiente da água e analistas de gestão de resíduos orientam as práticas de descarte e reciclagem, preparando-se para um futuro em que cada recurso é tratado como precioso e finito.

Simultaneamente, outros pilares econômicos – como a agricultura e a construção civil – enfrentam a imperativa necessidade de se adaptarem. Agricultores redefinem seus ciclos de plantio, enquanto a construção busca materiais mais resilientes a condições adversas.

Em áreas de plantio, por exemplo, ao observarem alterações nos padrões de chuva e temperatura, fazendeiros estão adotando culturas mais resistentes à seca ou ajustando o calendário de cultivo para épocas mais propícias. Além disso, práticas como a agricultura de conservação e a permacultura surgem como alternativas sustentáveis para proteger o solo e otimizar a produção.

Na construção, percebe-se a adoção de concretos permeáveis para combater enchentes e o uso de isolantes térmicos avançados que ajudam edificações a manterem uma temperatura estável, reduzindo a dependência de sistemas de aquecimento ou refrigeração.

Os setores econômicos reconhecem que, neste novo cenário, inovação e adaptabilidade não são apenas desejáveis, mas sim essenciais para a sua sobrevivência e prosperidade.

Pensar a questão da educação para o trabalho neste contexto de complexidade climática, que evolui rapidamente, implica numa quebra de paradigmas. E não se trata apenas de ser capaz de listar novas profissões e formular carreiras.

As jornadas educacionais precisam contribuir para formar competências e habilidades que envolvam conhecimentos e fazeres especializados, certamente, mas com profissionais flexíveis e capacitados para encontrar soluções sustentáveis para os problemas com os quais a humanidade vai se deparar, especialmente aqueles que surgem em eventos e fenômenos inesperados, diariamente.

A vida no planeta está menos previsível, com vírus zumbis acordando após milhares de anos de congelamento, águas aquecidas dos oceanos fazendo os ventos soprarem com mais força e chuvas caindo mais concentradas e volumosas. De que tipo de profissional precisamos para reimaginar nossas casas, a produção de alimentos, os veículos que utilizamos?

O senso de urgência clama por um mundo do trabalho que se reinvente, considerando que [ainda] é possível se adaptar e reverter situações de desigualdades sociais que se intensificam com as crises climáticas.

Sendo cada vez mais desafiador e pouco previsível, o atual cenário é fértil para inovações. E o espírito inovador não se limita apenas a novos empreendedores ou gigantes tecnológicos. Ele permeia todos os setores da economia, desde as iniciativas grandes às pequenas.

A educação é, portanto, e cada vez mais, uma ferramenta estratégica. Porém, os currículos e as propostas educacionais – da educação básica ao ensino superior – necessitam evoluir, dando conta dos campos temáticos listados aqui e de outros.

Precisam experimentar, “prototipar”, estimular a construção de autonomia e capacidade de resolver problemas numa perspectiva disruptiva e verdadeiramente inovadora. Mais do que nunca, os cursos devem garantir que os alunos articulem conhecimentos teóricos e habilidades práticas, incentivando pessoas a criarem e desenvolverem soluções e formando líderes aptos a enfrentar os desafios contemporâneos.

Neste contexto, governos, empresas, a sociedade em geral e a filantropia, em particular, devem compreender que a concepção de aprendizado se expande. A educação continuada e a transversalidade da questão climática emergem como pilares para a atualização constante, garantindo que os profissionais acompanhem as incessantes transformações.

A aprendizagem deve estender-se ao longo de toda a vida, permitindo que as gerações futuras não apenas adquiram competências, mas também demonstrem resiliência diante das adversidades.

Preparar as gerações para este novo mundo – a fim de combater injustiças climáticas – não é uma opção e, sim, uma urgência. A visão prospectiva foca na adaptabilidade, mitigação e regeneração do meio ambiente, do planeta. O nosso amanhã depende, mais do que nunca, das ações e decisões que tomarmos hoje.

João Alegria é secretário-geral da Fundação Roberto Marinho.Cassio França é secretário-geral do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas.Ana Inoue é superintendente do Itaú Educação e Trabalho.

Informações do Valor Econômico

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