Mercado de carbono na pauta do Congresso

Brasil tem todas as condições de exportar “carbono”, como exporta tantos outros produtos da natureza. Projeto de lei marcará o início de um mercado brasileiro cujos créditos podem ser aceitos em todo o mundo

O vice-presidente Geraldo Alckmin participa de evento sobre a regulação do mercado de carbono na sede da Confederação Nacional da Indústria (CNI), em Brasília (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Encontra-se novamente no Senado o projeto de lei (PL) que regula o mercado de carbono no Brasil. A versão original do PL já foi apreciada pela Casa (com relatoria da senadora Leila Barros) e enviada à Câmara, onde sofreu relevantes alterações (com relatoria do deputado Aliel Machado).

Resta saber se a casa de origem vai aprová-las ou não e se mudanças que forem introduzidas voltarão ainda para a apreciação final da Câmara.

Tudo indica que haverá um acordo entre as duas casas, pelo qual os eventuais ajustes do Senado serão feitos de acordo com a Câmara, por meio dos respectivos relatores, permitindo a ida diretamente à sanção presidencial. Esse fast track permitiria a promulgação ainda em junho, antes do recesso e a salvo do conturbado período eleitoral, que adiaria o projeto para o final do ano. Ainda que pretensiosa, a meta seria aprovar em junho, mês que abriga o dia mundial do meio ambiente, comemorado no dia 5.

‘A nova lei daria ao ativo crédito de carbono brasileiro integridade e aos seus compradores, situados no exterior a tão necessária segurança jurídica

A nova lei daria ao ativo crédito de carbono brasileiro integridade e aos seus compradores, situados no exterior (União Europeia, Oriente Médio, Asia, Canadá e Estados Unidos) a tão necessária segurança jurídica.

O projeto atual cria um registro de emissões a ser reportado por toda entidade produtiva que emita mais do que 10 mil toneladas de gases de efeito estufa por ano em suas atividades e concomitantemente uma proposta de mitigação dessas emissões ao longo do tempo.

Essas informações deverão ser objeto de controle e regulação por uma autoridade nacional não definida no projeto e que deverá ser criada por lei para dar consistência e continuidade à sua ação, ainda que tal competência possa ser absorvida pela administração direta, caso em que bastaria um decreto regulamentador.

‘Projeto abre a chamada “transição energética”, inserindo o Brasil em um ambiente de negócios internacional com credibilidade e consistência’

Com isso estar-se-ia positivando o que vem sendo chamado de “transição energética” inserindo o Brasil em um ambiente de negócios internacional com credibilidade e consistência.

O cumprimento das metas de mitigação será premiado com a emissão e venda dos créditos de carbono equivalentes, o que constitui receita adicional. A seu turno, o descumprimento das metas obrigaria a compra de créditos de carbono equivalentes ao percentual descumprido, o que implica em custo para a entidade inadimplente.

A negociação desses créditos de carbono será feita em mercado, quer em negociações bilaterais e diretas entre os participantes desse universo de entidades reguladas ou no mercado financeiro e de capitais, quando referidos créditos serão equiparados a valores mobiliários, sob supervisão da Comissão de Valores Mobiliários.

Caso não haja créditos suficientes para os que têm de adquiri-los nesse mercado regulado, podem eles ser adquiridos no mercado voluntário de quaisquer terceiros que tenham seus ativos certificados pela mesma autoridade nacional controladora do mercado regulado.

‘O Brasil é um celeiro desse ativo dadas as suas características geográficas’

No mercado voluntário encontram-se os créditos de carbono florestais, de retenção, estoque e conservação de carbono no solo e incremento da biodiversidade, os provenientes de recuperação de áreas degradadas e de manejo sustentável e os decorrentes de queima de resíduos urbanos, restauração de nascentes, existentes nos manguezais e nos oceanos. O Brasil é um celeiro desse ativo dadas as suas características geográficas.

Esse bem engendrado sistema, desde que complementado por decretos e portarias regulamentadoras, marcará o início de um mercado brasileiro de carbono, cujos créditos podem ser aceitos em todo o mundo. O Brasil tem todas as condições de exportar “carbono”, como exporta tantos outros produtos da natureza.

O agronegócio, em virtude de uma negociação política, estará fora desse mercado, o que constitui um erro estratégico, a meu ver. A alegação foi a de que não há ainda metodologias internacionalmente aceitas para cálculo de suas emissões e sobretudo de suas reinjeções de carbono de volta no solo, fruto de técnicas de produção. 

Quanto antes o agro participar tanto mais o nosso carbono poderá abastecer a cadeia mundial e o mercado poderá ganhar pujança.

Vários outros aspectos do projeto merecem consideração e comentários, especialmente os conceitos básicos que possibilitam às partes saber o que estão comprando e vendendo, mas isso será comentado quando eles se tornarem lei.

O que importa repisar é que o Brasil poderá vir a ser um grande produtor desse ativo “intangível” que é o carbono.

Fernando Antônio Albino de Oliveira, advogado pela USP, mestre pela NYU e doutor pela USP. Foi diretor da CVM. Atua em direito empresarial, com ênfase em projetos de infraestrutura e mercado de carbono.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Compartilhe esse post