As mudanças introduzidas pela Câmara dos Deputados no projeto de lei que cria um mercado de carbono regulado no Brasil frustraram a expectativa de que a legislação saísse do papel ainda neste ano. Agora, a proposta terá que voltar ao Senado e será votada em 2024. A regulação do mercado de carbono vai ser um passo importante para preservar as áreas florestais, combater o desmatamento e a degradação das áreas verdes, ajudar a enfrentar as restrições comerciais da União Europeia a produtos brasileiros por conta da suspeita de procedência e criar fonte de receita para incentivar a defesa do ambiente.
Após 10 anos de discussão, o Senado aprovou no fim de outubro o PL 412/22, que criou o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), inspirado no modelo de “cap and trade”, adotado em muitos outros países, que define o limite de emissão de poluentes e a comercialização de créditos de carbono para a compensação.
O projeto de lei foi então para a Câmara, onde o relator, o deputado Aliel Machado (PV-PR), acrescentou outras medidas, constituindo o PL 2148/15, aprovado na quinta-feira por 299 votos a favor e 103 contra. Como nessa manobra houve mudanças, o texto volta ao Senado. Se lá houver alterações, ainda retorna à Câmara.
A expectativa do governo e do presidente da Câmara, Arthur Lira, era que o projeto tivesse sido aprovado a tempo da COP28, encerrada a 12 dezembro, em Dubai. O texto fazia parte da pauta de sustentabilidade aprovada neste ano, que inclui a exploração de energia eólica no mar e a produção de hidrogênio verde. Agora, a torcida é que entre em vigor a tempo da COP30, que será realizada no Brasil, em 2025.
O projeto de lei aprovado na Câmara mantém a criação do SBCE e o modelo de “cap and trade”, pelo qual empresas que emitem de 10 mil a 25 mil toneladas de carbono equivalente por ano devem fazer um plano de monitoramento e enviar relatório anual ao Sistema. Acima de 25 mil toneladas anuais é preciso adotar medidas para reduzir emissões ou adquirir os créditos compensatórios.
Os créditos serão originados de atividades que favorecem o ambiente: recomposição, manutenção e conservação de áreas de preservação permanente (APPs), de reserva legal ou de uso restrito e de unidades de conservação; de unidades de conservação integral ou de uso sustentável com plano de manejo; e de projetos de assentamentos da reforma agrária. Um ponto importante a ser cuidado pelos legisladores é a credibilidade dos créditos gerados, tema debatido na COP28.
Nas discussões finais foi incluída a previsão de compensação ambiental de emissão de gases por veículos automotores, com a compra de créditos de carbono pelos proprietários de veículos, uma exigência absurda que não é feita pelos países que estão na vanguarda da luta contra o aquecimento.
Um ponto polêmico para os ambientalistas foi a exclusão da agropecuária da obrigatoriedade de se submeter aos limites de emissão de carbono, vantagem que já havia sido garantida pelo Senado. Calcula-se que a agropecuária é responsável por um quarto das emissões brasileiras, e o desmatamento, uma das principais causas, responde por quase metade das emissões. No entanto, a agropecuária está fora também da grande maioria dos sistemas adotados no exterior. O relator acolheu pedido da Frente Parlamentar Agropecuária para excluir da regulação setores do agronegócio, como a produção de insumos ou matérias-primas da atividade, por exemplo fertilizantes.
O relator estendeu os efeitos da lei também a mercados voluntários, como os existentes em vários Estados, que hoje podem receber créditos por projetos de preservação em seus territórios, o que não estava previsto na proposta do Senado. O tema chegou a paralisar temporariamente a votação porque o relator queria estabelecer que os Estados só poderiam vender créditos de carbono gerados em terras públicas, mas governadores da Amazônia não concordaram.
O fato é que já existe um mercado voluntário ativo; e muitas empresas vêm fazendo seus relatórios anuais de emissões por pressão dos acionistas, do mercado financeiro e para antecipar como podem ser atingidas pela nova regulamentação. A Microsoft vai comprar 1,5 milhão de créditos de remoção de carbono até 2032 da startup Mombak Gestora de Recursos, que está plantando mais de 100 espécies de árvores nativas em terras agrícolas desmatadas na Amazônia. O governo do Pará vai lançar até o fim do primeiro trimestre do ano que vem o edital de concessão para reflorestamento de uma das áreas de proteção ambiental mais ameaçada pelo desmatamento da Amazônia, a Triunfo do Xingu, no sudeste do Estado.
Há mais falhas: preservação de APAs e de reserva legal são obrigações exigidas por lei, e não poderiam ser usadas no mercado, que premia esforços adicionais para conter emissões. Esses erros podem ser corrigidos pelo Senado, que deveria colocar regras límpidas sobre as relações do mercado regulado com o voluntário. E, se o Senado corrigir os erros, a Câmara, tendo tomado para si a palavra final, não deve insistir neles. Sem o mercado regulado, a descarbonização andará bem mais lentamente do que exige a urgência climática.
Informações do Valor Econômico